O amor é um caminho sobremodo excelente (1Co 13)

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Introdução

Esse texto que lemos é um dos mais conhecidos do Novo Testamento, senão de toda a Bíblia. Alguns estudiosos chegam a afirmar que aqui Paulo escreve de modo mais bonito e profundo que todos seus demais escritos. Tão presente no imaginário cultural, está citado em poesias, em canções populares, a exemplo de Monte Castelo da banda Legião Urbana e, por sua linguagem aforística, é sempre lembrado em cerimonias e reflexões em que o tema central é o amor, como em casamentos.
Nesta oportunidade, é interessante recordarmos que originalmente o texto não fala sobre relacionamento conjugal, ou de amor num sentido vago (ex: “eu amo lasanha”), mas o caminho de Deus para uma igreja problemática e porque não ferida e traumatizada.
Aquela igreja, reproduzindo um espírito de orgulho e vanglória pessoal, estava partida, resolvendo mal problemas internos, com relacionamentos fragilizados, maltratando a fé, a consciência e a vulnerabilidade dos irmãos, ainda pervertendo a ceia do Senhor e o exercício dos dons espirituais.
É exatamente corrigindo aqueles irmãos quanto aos dons espirituais, entre os capítulos 12 e 14 desta carta, que esse texto se encontra. Após falar da origem, dos objetivos e da diversidade dos dons espirituais, o apóstolo passa a lhes apresentar não mais um dom, como título da divisão nos sugere, mas um caminho mais excelente que os dons (1Co 12.31): o amor.
Ele faz isso em três partes gerais: 1. Sem amor, grandes feitos são barulho vazio (1-3); 2. Uma descrição do amor (4-7) e 3. A vida na perspectiva da eternidade (8-13).

Exposição

1. Sem amor, grandes feitos são barulho vazio (1-3)

Os versículos estão agregados em três partes cometendo hipérboles contrastadas com a ausência de amor (“se não tiver amor”).
Primeiramente, remetendo a um dom que os coríntios super valorizavam, o de línguas. Ainda que estas fossem humanas ou angelicais, sem amor, aquele que as prática é apenas um instrumento barulhento. Ao invés de ser destaque pelo belo som, seria destaque pela má dissonância, pelo estardalhaço. Um som forte e oco, um prato inconveniente, alguém fora da harmonia. Ao invés de edificação, agressão. Ou, se Paulo quer se referir ao culto a Cibele, em que eram tocados sinos, o apóstolo demonstra que sem amor, os que pervertiam o dom de línguas eram como as confusões idólatras. Um barulho para nada.
Em segundo lugar, Paulo usa as hipérboles referentes a grandes obras de conhecimento (profecia e conhecimento) e de poder (fé). Sem amor, não é que a pessoa não fará nada, mas ela não será nada. Aqueles em Corinto que buscavam ser alguma coisa pelos dons de profecia, conhecimento ou fé, por causa da ausência do amor, estavam deixando de ser alguém. Estavam se anulando porque, como criaturas feitas a imagem e semelhança de um Deus que é amor, não podem realizar verdadeiramente sua humanidade sem amor. O ser humano foi feito pra amar ele não faz isso ele sofre as consequências - se torna vazio.
Por último, Paulo aborda os atos de altruísmo e de martírio. Altruísmo e martírio não são necessariamente amor. Ele ensina que é possível que grandes atos cobertos de abnegação podem ser feitos sem amor, apenas para promoção pessoal (auto-edificação). É um anti-amor, uma vez que o amor busca a edificação do outro. Ainda que tenha proveito externo, não aproveita nada para aquele que os fez pelas motivações meramente egoístas.
Com isso, Paulo ensina os coríntios que todos nossos atos devem ser realizados na perspectiva do amor. Ele é mais útil do que os dons espirituais para aquela igreja. Sem ele, os dons e o “ser espiritual” são vazios. Sem amor, os dons são um caminho para autoexploração, orgulho e soberba.

2. Uma descrição do amor (4-7)

Paulo, então, parte para uma descrição do amor. Ele não apresenta uma definição, mas apresenta suas características, como quem descreve uma pessoa (ex.: ele é moreno e baixo; ele não é jamaicano). O objetivo dele é ensinar os coríntios a identificarem o que é o amor. Assim, ele aponta características positivas e negativas sobre o amor, bem como o que o amor faz.
É interessante notar que Paulo parece ter em mente todos os problemas que ele já tratou naquela igreja anteriormente e que eles foram gerados exatamente pela falta de amor - no caso, pela falta das características que ele vai listar.

a) o que o amor é (4a)

é paciente: possui a virtude do tempo certo. Não se preocupa apenas com o agir corretamente, mas no tempo adequado (o que não fizeram quanto ao irmão em pecado, por exemplo; o que não faziam na ceia).
é benigno: é longânimo, é gentil, é misericordioso. "O amor misericordioso é aquele que quebra a espiral de desgosto, da raiva e do ressentimento, mostrando bondade...” (Crisóstomo). O amor, ao ser injuriado, quebra o ciclo de confusão e amargura. Mostra a outra face não só como humildade, mas também como misericórdia. “Eu poderia revidar” (o que não fizeram os irmão que iam para a justiça ao invés de tudo sofrer - “por que não sofreis a injustiça”? 1Co 6.7).

b) o que o amor não é (4b-6)

não é invejoso: Paulo aborda uma camada abaixo do ciúme e do desejo, que é a inveja. A inveja faz de tudo para se vangloriar diante do outro. Não apenas querer o que o outro tem, mas ser melhor que ele. O amor se alegra em ver os outros nas fileiras da frente.
não se vangloria, nem se orgulha: o amor engrandece e valoriza os outros. O amor não se compara para se engrandecer. O amor tem estima pelos outros (ao contrário daqueles que enfraqueciam a autoridade de Paulo, 1Co 4.18-19, 5.2; 8.2).
não se conduz inconvenientemente: O amor não maltrata, não falta com respeito, não trata de maneira inapropriada. Ele é gentil em direção ao outro. O amor é um ato de edificação do outro (diferentemente do que os coríntios espirituais faziam contra os “fracos de consciência”).
nem procura seus interesses: o amor não trata o outro como meio para um projeto pessoal, satisfação pessoal ou manipulação do outro, etc. Não faz o bem como uma maneira de conseguir algo em troca.
não se enfurece: não se trata da ira contra a injustiça flagrante (Sl 4.4; Ef 4.26), mas a fúria, o tratamento destemperado. A fúria marca relacionamentos rivais e não amorosos.
não guarda ressentimento do mal [registro de injustiças]: Ressentimento ocorro onde não há diálogo e a falta de diálogo é o maior baú de mágoas que pode existir. Assim, o amor quebra os ciclos de confusão. Nos permite quebrar o que destrói os relacionamentos. Somente o amor dá espaço para que depois da crise exista uma possibilidade de experimentar amor como nunca antes (renovação) (algo que os irmãos que sofriam poderiam aprender).
não se alegra na injustiça: mas congratula-se [se alegra] com a verdade.

c) o que o amor faz (7)

Diante do que foi exposto, Paulo faz uma espécie de resumo sobre as características do amor:
tudo sofre: recebe o ônus da injúria e do perdão.
Tudo crê: mantém a palavra até as últimas consequências.
Tudo espera e tudo suporta: pois possui uma forte perspectiva escatológica. Quem conhece o final afugenta ansiedades.

3. A vida na perspectiva da eternidade (8-13).

Por que tanto destaque para o amor? Se pessoas que não amam podem ser usadas por Deus, altruístas sem amor ajudam pessoas que passam fome, o amor é realmente essencial? Paulo mostra que aquilo que é eterno dá sentido ao que é provisório: “o amor jamais acaba”. O amor nunca deixará de ser o plano de Deus aqui e na eternidade. O amor é o miolo que deve preencher nossas motivações, a regra que rege nossas ações.
Os versículos 8 a 12 podem apresentar alguma dificuldade de compreensão. Vamos tentar elucidá-los: Profecias, línguas e ciência passarão (8a), pois eles são provisórios. Nos dão hoje um conhecimento parcial [incompleto] daquilo que um dia conheceremos totalmente. Ou seja, hoje não conhecemos o todo e nem falamos do todo (8b, 9). Mas Aquele que conhecemos e Aquele de quem falamos nunca passará: é aquele a quem Paulo se refere como Perfeito (10).
Este é Jesus Cristo, em sua volta. Quando estivermos diante dele, não precisaremos daquilo que nos permite conhecê-lo em parte. Quando ele estiver plenamente diante de nós, não haverá necessidade dos dons relacionados ao conhecimento de Deus, nem mesmo as Escrituras, que possuem o mais elevado em nos revelar a salvação em Cristo e o caminho da santidade, serão necessárias. Estes dons serão aniquilados, mas o amor será completado.
Paulo usa duas figuras: do menino que se torna homem e do uso de espelhos. No verso 11 vemos que é como o homem que deixa as coisas de menino, pois agora são incompatíveis. O “em parte” será aniquilado. O verso 12 nos ensina que tudo agora é mediado como alguém que usa um espelho (naquela época menos eficiente que os nossos) para ver algo, mas um dia conheceremos a Cristo assim como ele nos conhece.
Paulo finaliza com as três virtudes teologais (relacionadas diretamente a Deus), entre as quais, a única que permanecerá para sempre é o amor, por isso, a maior delas.

Aplicações

1) O amor dá significado ao nosso ministério

Somente o amor, que direciona o serviço para a gloria de Cristo e para o proveito do irmão, pode fazer com que nosso trabalho seja harmônico, ao participar da diversidade da igreja, seja um meio de cumprirmos nossa vocação, sendo seres a imagem de Deus e que portanto amam, e seja sincero, pela entrega corretamente motivada.
Assim, a motivação [o amor] conta - o importante não é fazer. Não há nada que mais edifique a vida do irmão do que o serviço acompanhado de amor. Você pode não ter vários dons, mas não pode não ter amor.

2) Precisamos do amor que vem primeiro.

O primeiro amor é uma frase mal compreendida quando lemos apocalipse. Pensamos que Jesus está falando de uma paixão inicial que tivemos em nossa conversão - mas esse período era de imaturidade. A exortação, na linha que Paulo sugere aqui, é que cristão nunca podem trilhar um caminho que não comece no amor. É o amor que vem primeiro. A igreja de Éfeso se tornou árida. A igreja de Corinto também. Uma por conhecimento sem amor, a outra por espiritualidade sem amor. Ambos os caminhos precisam que o primeiro passo seja amar. Amar para conhecer, amar para servir.

3) O amor é fruto do Espírito Santo, os dons não.

Os dons são manifestação do Espírito e podem ocorrer até mesmo em descrentes (Mt 7.22-23) ou de forma incorreta. O dom não é sinal de santidade - a igreja de Corinto nos mostra que pode acontecer exatamente o contrário. Mas o fruto do Espírito Santo é o amor (Gl 5.22). Se o Espírito Santo opera num indivíduo ou numa comunidade o amor será evidente. Assim, é muito estranho um cristão procurar amor - Ele já é amado por Cristo e o seu coração passa a amar; tristemente, muitas vezes cristão que buscam “ser amados” estão procurando adoração.

4) O amor torna as coisas possíveis

Imagine perdoar sem amor. Jesus falou sobre o perdão e seus discípulos julgaram tão difícil que pediram mais fé (Lc 17.3-5). E Jesus fala de uma fé que move transplanta amoreiras, bem como montanhas. Mas uma fé que move montanhas não é uma fé independente do amor. Pelo contrário, é fundada no amor: perdoamos porque fomos infundidos no amor de Cristo que nos perdoou. A fé obediente que leva a perdoar é uma fé regada no amor. E muitas vezes, o ambiente em que vamos ser injuriadas e precisaremos perdoar é na igreja (não é esse o contexto de 1Co 13?). Nessa comunidade que está sendo santificada, brotarão também as oportunidades para você perdoar, por mais impossível que pareça.

5) Nunca nos veremos sem espelhos, mas ao Amor sim.

Hoje e nos céus, você se verá através de reflexos. Isso é um fato. Mas pense comigo: se precisamos de meios como as Sagradas Escrituras para conhecermos a Cristo, ou mesmo dons relacionados a conhecimento, eles não serão mais necessários no novo céu e nova terra. Teremos um conhecimento de Cristo imediato.
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S.D.G
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