Eu uso o celular ou ele me usa? Ou: Quem é mesmo o dono de quem?

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Introdução

Vamos começar com algumas perguntinhas. Quando você acorda, a primeira coisa que você faz é pegar o celular? Antes de falar com seus irmãos ou com seus pais, ou mesmo orar e conversar com Deus, você fala com alguém ou consome conteúdo pelo celular? Pois é. Se você tem um celular, é possível que já tenha abusado dele. Ontem mesmo, antes de escrever esse parágrafo, notei que ao ver a agenda sem compromissos obrigatórios para o dia [sabe, aqueles que você pode deixar para depois], substitui por um duradouro lazer no Instagram. Não sei se você é como eu, mas logo isso me trouxe algum sentimento de culpa. Esse sentimento me traz uma motivação para mudar e não repetir isso, mas ela não dura muito.
Isso que descrevi é como que um ciclo, e ele é terrível. Logo que a motivação se vai e a culpa diminui, estamos buscando o celular como uma fuga novamente. Tony Reinke vai nos dizer que isso ocorre porque “nossas convicções fundamentais são demasiadamente frágeis para sustentar novos padrões de comportamento, de modo que aquilo que parece imediatamente “certo” (desligar nossos telefones) não é nada mais do que o produto de um simples momento de vergonha. O que precisamos, de fato, é da disciplina de uma vida nova, oriunda em um novo conjunto de prioridades e capacitada pela liberdade de nossa nova vida em Jesus Cristo. Então, eu não posso simplesmente falar para você deixar seu telefone de lado, largá-lo ou pegá-lo novamente após um período de estafa. Meu objetivo é, antes de tudo, explorar por que você deveria tomar atitudes desse tipo”. (Reinke, Tony. 12 maneiras como seu celular está transformando você. Editora Concílio, 2020. Edição do Kindle). O celular pode ser um meio para demonstrar onde está o nosso coração: confiando em Deus ou em ídolos?
Essa pergunta é séria, porque o celular não é somente um dispositivo que carregamos. Ele já faz parte de nós. Lembro-me de uma convivência que os pré-adolescentes não queriam ir por não ter wifi. É óbvio o celular também mudou a mim e a Tayane [minha esposa]. Somos da época dos “3 segundos”, tempo em que as ligações dentro desse período não eram cobradas. Bastava que você tivesse pelo menos 50 centavos de créditos. Essas chamadas eram os “áudios de Whatsapp” da época. Eu nunca usei bem os 3 segundos, porque primeiro tive um celular (a45) e somente depois aprendi o que era ter um celular com créditos. Mas aí já não haviam mais essas ligações.
A Tayane morreu de falar nos três segundos. A coisa mais chata era quando passava dos dos três e viravam quatro segundos. Você gastava um pulso inteiro, mas sem aproveitar aquele minuto inteiro. Era tarde, pagou um pulso e só tinha falado 4 segundos. Os mais sortudos tinham chips “Oi 31 anos”: aos finais de semana, ligações gratuitas durante 31 anos. Os amigos faziam conferências (ligar ao mesmo tempo para 4 ou 5 pessoas. Era o Google Meet da época. Mas a grande questão aqui não é reconhecer a mudança e a evolução dos celulares. É que o celular está mudando a gente.

Cristãos não podem ser idólatras

Esse é o argumento de Jesus. “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro”. Alguém ficará insatisfeito ao final. Alguém será desprezado. Observe que Jesus não trata como senhores somente uma ideia abstrata: ele trata esse “servir” como um sinônimo de adoração e devoção em que se conflitam Deus e Mamon (grego μαμωνᾶς; mamõnas). Mamon era uma transliteração para o grego e se refere a “riqueza”, “dinheiro”, “fartura” ou “prosperidade” e, aqui no texto, de forma personificada (como um senhor/um falso deus). Ou seja, não é Deus e o meramente o dinheiro. É Deus ou um ídolo.
Ídolos, de maneira simples, são todas as coisas que colocamos no lugar de Deus como fonte de nossa satisfação e que ordenam nossas vontades. Os ídolos geralmente possuem mediadores: mecanismos que apontam para aquilo que queremos ser, mais que ter. No cenário do pecado original, o fruto do conhecimento do bem e do mal era apenas um meio para “serem iguais a Deus”. Não era ter o fruto per si. Era o meio pelo qual eles se tornariam quem eles queriam ser. É quase como se o objeto de idolatria fosse duplo: o ídolo e o que nossa vontade tanto quer.
Voltemos a Mamon. Ele é um meio para atender aos nossos desejos. O dinheiro é uma coisa que nos permite comprar coisas para sermos alguém. Há uma imagem embutida que queremos conquistar através do dinheiro. E quando o dinheiro é um ídolo, fazemos tudo que ele exige. Sacrifício da saúde, de amizades, da família, do caráter, da vida humana, etc. Eles nos subjugam. Eles se tornam nossos donos. Invariavelmente sacrificamos coisas em seu altar. E aquilo que tanto queremos ao final é destruído - Adão e Eva não se tornaram iguais a Deus. Pelo contrário. Don Corleone, em O Poderoso Chefão, não manteve sua família. A perdeu.
Agora pense em qualquer outra coisa agora que te dá algo que você tanto quer. Podem ser coisas boas. Pode ser seu vídeo-game, seu computador, ou o seu celular. John Piper nos ensina que “os celulares são perigosos, assim como são o casamento, a música e a boa comida — ou qualquer outra coisa que possa tornar-se um ídolo. Mas esses aparelhos também são muito úteis, da mesma forma que as armas, as lâminas de barbear e a cannabis medicinal — ou tantas outras coisas que podem arruinar sua vida”. O perigo está em nosso coração.
Deus não se confunde com os ídolos. Em Deus somos regenerados à imagem de Cristo. Nossa identidade é redimida. Servimos pessoas por Ele, pois somente Ele é suficiente. Somos servos, mas daquele que assumiu a forma de servo por nós. Deus é eterno e fonte viva e renovável de segurança e vida. Os ídolos são a corrupção de tudo isso. Nos tornamos iguais a eles com uma identidade desfigurada [não há nada na criação que seja para nós uma referência adequada de identidade, pois fomos feitos à imagem e semelhança de Deus e não das coisas]. Esmagamos pessoas ou nós mesmos com eles, pois eles sempre serão insuficientes. Nenhum deles pode nos dar aquilo que somente Deus poderia. Se você quer uma vida de prazer constante [ou até de beleza], destruirá seu corpo. Se você quer filhos perfeitos, que vivam os seus planos, os matará. Se você fizer de seus relacionamentos amorosos um ídolo, a vida dessas pessoas será um inferno. Os ídolos são todos temporais. Surgem quando o ser humano os cria. Morrem quando há a necessidade de novos mediadores. Todos virarão pó.
Olhemos nossos texto. Vejamos que a idolatria segue um fluxo: servir que se dá em amar e se devotar. Como Jesus afirma que somente um pode ser servido, significa que: 1. ou servimos a Deus ou aos ídolos; 2. ou amamos a Deus ou o aborrecemos (odiamos); 3. ou nos devotamos a Deus ou o desprezamos. Não há uma terceira via.

Bendito e maldito celular

1) Que me serve ou a quem sirvo?

“Meu telefone é uma janela para o que é inútil e para o útil, para o que é artificial e também para o que é autêntico. Algumas vezes, sinto que meu telefone é um vampiro digital, sugando todo o meu tempo e toda a minha vida. Outras vezes, sinto-me como um centauro cibernético — parte humana, parte digital — à medida que meu telefone e eu vamos nos fundindo perfeitamente em um complexo conjunto de ritmos e rotinas.” (Tony Reinke, 2020)
Quero agora desenvolver uma reflexão sobre o nosso uso do celular - e por que não dos outros dispositivos tecnológicos que está sempre à nossa disposição - e o quanto o uso que fazemos dele revela nossas bases teológicas e nossa devoção a Deus. Se estamos fortes, frágeis ou, no pior cenário, sem relação alguma com Deus. Como nosso uso das redes sociais refletem quem nós servimos?

i) Para onde fugimos?

Nem sempre enfrentamos as coisas e algumas [ou muitas] vezes fugimos delas. É lógico, não somos fortes em todos os momentos para enfrentar tudo. Mas onde está nosso refúgio aí também está nosso coração, em outras palavras. Fugimos de uma agenda aperreada, do vazio existencial, dos problemas familiares, do stress, e muitas vezes do lembrete constante que um dia morreremos. E para onde fugimos? para Deus ou para os ídolos?
O celular não nos fornece uma fuga duradoura. Na verdade, ele não consegue oferecer mais que uma distração. Nem ele pode nos capacitar a enfrentar os problemas. Celulares não nos dão um espírito santo. Deus é o nosso refúgio e fortaleza (Sl 46.1). Ele nos capacita para o trabalho que precisamos fazer. Quando o celular ou a tecnologia é a nossa rota de escape final, nossas convicções teológicas são evidenciadas e o nosso pecado é revelado.
O celular deve ser como uma mula. “E mulas não são mantidas por sua boa aparência. Elas simplesmente fazem seu trabalho. O trabalho não é impressionar ninguém. O trabalho é valorizar Cristo e amar as pessoas. Nós fomos criados para isso. Então, não desperdice sua vida enfeitando sua mula. Faça-a carregar o peso de mil obras de amor. Faça-a acompanhá-lo às alturas das montanhas de adoração” (John Piper em Tony Reinke, 2020). Tudo deve ser um meio para honrarmos a Deus - para chegarmos às montanhas da glória de Deus.

ii) Qual tipo de conteúdo consumimos?

“Nós agora verificamos nossos celulares a cada 4,3 minutos de todo o nosso tempo acordados” [1]. Estamos em busca de informações e nunca, na história, elas tiveram tão acessíveis: ao alcance de alguns toques - ou de um “ok, google/e aí, Siri”. É provável que você tenha mais informações do que muitas das mentes brilhantes do passado - mas não saiba o que fazer com elas.
A palavra de Deus não nos diz para sermos como esponjas cognitivas, mas para buscarmos a sabedoria (Pv 8) e o que é edificante (Fp 4.8,9). Quando usamos nosso celular, ele é uma ferramenta para acessarmos conteúdos que edificam nossas vidas? Ele é uma ferramenta poderosa para termos nosso caráter fortalecido? Ou ele apenas é canal de conteúdos degradantes? Uma ferramenta poderosa para te apresentar o pecado, para te deixar mais burro, ou demasiadamente informado de coisas banais?
Com certeza isso também envolve as conversas que surgem. São constantemente edificantes ou apenas papo furado? Um looping de besteirol ou conversas com substância? Celulares são o meio de termos acesso a bobagens e coisas pouco edificantes - quando não totalmente ofensivas a Deus. Mas algo a mais: é que “se tivermos de contabilizar toda palavra vã, somos provavelmente a primeira geração que pode verdadeiramente vislumbrar o volume de palavras vãs, já que as publicamos mais do que qualquer grupo da história humana” (Tony Reinke, 2020). Ou seja, somos expostos a um banco infinito de besteiras e vaidades.

iii) Qual tipo de conteúdo produzimos?

Somos produtores de conteúdo também. Seja como meros postadores - de comentários, de textos, de stories, de reels - ou como profissionais engajados nas redes (de podcasts ou de vídeos).
Vendemos a reputação do evangelho e a nossa em nome de likes e de views? Postamos e cinco minutos depois abrimos novamente nossos celulares para ver quantas pessoas já interagiram com nossas postagens. Direcionamos nossas postagens não conforme o que mais edifica, mas conforme o que mais se projeta? Não é como edifico mais. É como eu mais posso ser visto? Nossas postagens refletem nossos senhores. Nossas postagens são atemporais e miram no que é duradouro? Ou são meramente atuais, mirando na moda do momento?

iv) Como estabelecemos relacionamentos?

Redes sociais são incríveis. Lembro-me do meu perfil do Orkut utilizando meu email em que meu nome estava unido a algum super herói - tal qual um adolescente de hoje perde seu nome para dar lugar a algum personagem de anime. Eu tinha todos os meus conhecidos ali na rede. Ah, e também participava de comunidade com pessoas com o mesmo interesse que o meu em bandas, etc.
Lembro ainda a minha primeira conferência. Nossa! Estar em contato ao vivo com professores de outros países e ter uma aula que atravessava o oceano era inimaginável. Ao mesmo tempo crescia o Facebook, Twitter, Snapchat, Instagram, Whatsapp, Telegram, etc. Esses laços sociais são inegavelmente importantes. Mas essas ferramentas estão complementando relacionamentos reais ou servindo como parte de comunidades virtuais? Trocamos o carne e osso pelas telas? O culto presencial pelo online? O discipulado pessoal pelo encontro à distância? Aproximamos os distantes e distanciamos os próximos?

v) Como desejamos ser (Ojesed, de Harry Potter)?

Nossa rede de contatos revela que desejamos ser como Jesus ou como o mundo? Nossos celulares, como qualquer tecnologia, é uma extensão de quem nós somos, e pode ser uma extensão de nossos corações e do que eles desejam. Como afirma Tony Reinke (2020), “tudo que acontece no meu celular, especialmente sob o disfarce de anonimato, é o que verdadeiramente habita em meu coração, refletido aos meus olhos em pixels coloridos”. Dê uma olhadinha em seus históricos. Nos perfis que você segue. Nos canais que você assina. Terás uma ideia do que seu coração finalmente deseja. Nossas telas são como espelhos. Vejamos se o que buscamos está a serviço do reino ou se está à serviço de nossos ídolos.
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Alerta: Se vemos uma mudança brutal entre a geração de seus pais e vocês, imaginem como será a do seus filhos? Será que serão definitivamente escravos de seus aparelhos tecnológicos? Vocês são a geração que pode fazer algo para que as coisas não sejam catastróficas.
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Citações importantes:

Uso recorrente
“Nós agora verificamos nossos celulares a cada 4,3 minutos de todo o nosso tempo acordados”.
[1] Jacob Weisberg, “We Are Hopelessly Hooked”, The New York Review of Books (25 fev. 2016). Citado por Reinke, Tony (2020-06-02T22:58:59). 12 maneiras como seu celular está transformando você. Editora Concílio. Edição do Kindle.
Proteção dos riscos
“O que eu não sabia quando desembalei meu primeiro iPhone é que Jobs já estava protegendo ativamente os próprios filhos de suas máquinas digitais”
- Em 2010, logo após a Apple lançar seu tablet (iPad), um repórter perguntou a Jobs: “E, então, seus filhos também amam o iPad?”, ao que ele respondeu: “Eles nunca o usaram. Nós limitamos a quantidade de tecnologia que nossos filhos usam em casa”. Nick Bilton, “Steve Jobs Was a Low-Tech Parent”, The New York Times (10 set. 2014). Mais tarde, o vice-presidente de design da Apple, Jonathan Ive, admitiu estabelecer “regras rígidas sobre o tempo em frente às telas” para seus filhos gêmeos de 10 anos. Ian Parker, “The Shape of Things to Come”, The New Yorker (2 mar. 2015).
Reinke, Tony (2020-06-02T22:58:59). 12 maneiras como seu celular está transformando você . Editora Concílio. Edição do Kindle.
O benefício e o risco dos celulares - e o problema do nosso coração
“Os celulares são perigosos, assim como são o casamento, a música e a boa comida — ou qualquer outra coisa que possa tornar-se um ídolo. Mas esses aparelhos também são muito úteis, da mesma forma que as armas, as lâminas de barbear e a cannabis medicinal — ou tantas outras coisas que podem arruinar sua vida.”
John Piper, em Reinke, Tony (2020-06-02T22:58:59). 12 maneiras como seu celular está transformando você . Editora Concílio. Edição do Kindle.
“Meu telefone é uma janela para o que é inútil e para o útil, para o que é artificial e também para o que é autêntico. Algumas vezes, sinto que meu telefone é um vampiro digital, sugando todo o meu tempo e toda a minha vida. Outras vezes, sinto-me como um centauro cibernético — parte humana, parte digital — à medida que meu telefone e eu vamos nos fundindo perfeitamente em um complexo conjunto de ritmos e rotinas.”
Reinke, Tony (2020-06-02T22:58:59). 12 maneiras como seu celular está transformando você . Editora Concílio. Edição do Kindle.
Celular como uma fuga
“seu celular provavelmente é um dos meios que você usa para escapar de pensar sobre a morte.”
John Piper em Reinke, Tony (2020-06-02T22:58:59). 12 maneiras como seu celular está transformando você . Editora Concílio. Edição do Kindle.
Reorientando o uso do celular
O celular deve ser como uma mula. “E mulas não são mantidas por sua boa aparência. Elas simplesmente fazem seu trabalho. O trabalho não é impressionar ninguém. O trabalho é valorizar Cristo e amar as pessoas. Nós fomos criados para isso. Então, não desperdice sua vida enfeitando sua mula. Faça-a carregar o peso de mil obras de amor. Faça-a acompanhá-lo às alturas das montanhas de adoração”.
John Piper em Reinke, Tony (2020-06-02T22:58:59). 12 maneiras como seu celular está transformando você . Editora Concílio. Edição do Kindle.
“Oportunidades inigualáveis são agora dadas a todo cristão para um ministério online. Hoje, nossos mais proeminentes pregadores podem alcançar centenas de milhares de pessoas por meio das mídias sociais”
Reinke, Tony (2020-06-02T22:58:59). 12 maneiras como seu celular está transformando você . Editora Concílio. Edição do Kindle.
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