O caminho do arrependimento (Salmo 51)

Salmos  •  Sermon  •  Submitted
1 rating
· 68 views
Notes
Transcript

Introdução

A ocasião em que este salmo foi escrito provavelmente é conhecida por você. Ela é mencionada no subtítulo. Davi, o rei de Israel, aquele mesmo de tantos outros Salmos em que nos apropriamos de suas palavras noutras exposições, cometeu um terrível crime de adultério e assassinato.
Davi usou todo o seu poder terreno para possuir uma mulher que ele cobiçou. O caso viria à tona, pois ela engravidou de Davi e seu marido não havia dormido com ela. Davi usou seu poder para encobrir o feito com uma artimanha, mas falhando ele tentou encobrir tudo encomendando a morte do marido dela e se casando com a mulher.
Parecia um crime perfeito. Ele encobriu tudo diante dos homens. Mas, como diz a música “crimes perfeitos não deixam suspeitos”. Diante de Deus sempre há suspeitos (2Sm 11.27). Não há o que se possa esconder diante do Todo-poderoso. Assim, Natã, profeta do Senhor, confronta o rei (2Sm 12.1-15).
A reação de Davi está aqui descrita nestes dezenove versos. Ele não se defende daquele de quem sua culpa não poderia escapar. Não havia justificativa ou explicação diante de Deus que não soasse como falsa. Só havia duas escolhas: o cinismo ou o arrependimento. Diante de Deus é estupidez seguir o primeiro caminho. Na verdade, Davi agora sabe que agora só ha uma escolha.
Se os salmos são corretamente entendidos como a radiografia da alma, este salmo mostra o coração arrependido. Tornou-se um dos salmos de penitência ou confissão na igreja primitiva. Lutero chamou este salmo de “Salmo Paulino” (junto com o Sl 143 - cf. Allan H. Harman), pois reconhece nele o mesmo caminho de perdão proclamado no Novo Testamento. Agora é hora de nos apropriar deste salmo para trilharmos o caminho do arrependimento.

1. A compreensão do próprio pecado

O salmo inteiro é uma poesia dividia em estrofes. As ideias vão e voltam. Assim, vamos fazer uma divisão temática e, por isso, também vamos ir e vir em muitos versos.
Primeiramente observemos que Davi não nomina suas ações com termos amenizadores. “Descuido, falha, desvio, erro”. Não. São transgressões (v. 1). “Havia um caminho certo diante de mim mas eu ultrapassei”. É “iniquidade” (v. 2). “O que eu fiz é perverso com outras pessoas”. É “pecado”(v. 2), “eu pequei contra ti” (v. 4). “eu agi em total falta de conformidade com a Tua lei e Teu caráter”.
Este é um ponto importante: Na trilha do arrependimento é necessário ver o mal que cometemos da ótica que Deus vê. Não somos menos depravados do que aquilo que somos em comparação a santidade de Deus. Vemos que o parecer de Davi sobre o que ele fez não é distinto do parecer que Deus dá (2Sm 11.27; Sl 51.4). Nem enxerga suas falhas apenas na ótica das consequências humanas, mas um pecado contra Deus (“pequei contra ti somente”) e totalmente merecedor da justiça de Deus (v. 4). Davi sabia percebeu que seu pecado era digno de morte (“o homem que fez isso deve ser morto” 2Sm 12.5,6; Sl 51.14).
Davi se lembra ainda que seu estado é de pecaminosidade (v. 5). Ele não é perfeito. Embora tenha estado muitas vezes em situação de injustiça diante de seus inimigos, ele é um pecador. Nasceu no pecado (v. 5). Não era aquele pecado que lhe tornara apto ao inferno. Este conhecimento sobre seu pecado lhe aproxima do Deus que ama a verdade e a conhece (v. 6). O confronto no oculto com o seu pecado lhe trouxe aos olhos coisas que ele tinha esquecido. Deus o esmagou (v. 8). Davi, a partir da compreensão de seu pecado, sofre do relacionamento quebrado com Deus mais do que um sofrimento físico. Nunca podemos colocar distante de nós a realidade de que somos pecadores.

2. A confiança do perdão

a) Se baseia no caráter de Deus
O primeiro verso nos dá um tom particular a este salmo de Davi. Não é mais Davi enquanto Rei, representante de Israel. Não é Davi enquanto perseguido por inimigos. Não é Davi recorrendo à sua justiça diante de injustiças terrenas. Não é Davi dizendo “age contra meu inimigos” ou dizendo “vês”.
É Davi enquanto pessoa (“de mim” v. 1). É Davi enquanto ele mesmo num lamento individual (Lc 18.13 - “ó, Deus, sê propício a mim, pecador”). É Davi enquanto pecador, tendo ele mesmo como seu pior inimigo. É Davi recorrendo à benignidade de Deus e às suas misericórdias (v. 1). É Davi dizendo “não age contra mim”, “não enxerga mais o meu pecado” (v. 9).
b) Se baseia na graça de Deus
Quando lemos “apaga as minhas transgressões” é interessante notar que Davi não pede apenas misericórdia - como alguém que não quer receber castigo pelo que fez. Davi tem perfeita noção da necessidade de expiação: o pecado precisa ser tirado. Mais que a misericórdia, ele precisa de purificação (como ao leproso Lv 13.6,34) e restauração (vv. 7-12).
Um dos grandes enganos do nosso coração é confundir remorço com arrependimento. Queremos ficar remoendo o pecado e não necessariamente abandoná-lo. A mola mestra do remorço é o fatalismo. As coisas não podem ser diferentes. Mas arrependimento não é apenas se sentir mal diante de algo desastroso. A mola mestra do arrependimento é que o pecado não é o determinante de nossa história, mas o perdão de Deus.
Só haveria uma justificativa para não nos arrependermos: se nada mudasse e o nosso destino já estivesse traçado conforme nossas próprias injustiças. Mas a possibilidade de perdão, perdão real e total, é o grande poder por trás do arrependimento. As coisas não precisam ter um fim desastroso e Deus pode dar um final diferente do que eu mereço. “O Senhor te perdoou o teu pecado; não morrerás” (2Sm 12.13) é o poder para nova vida.
Por isso, Davi sabe o que fez, assume o que fez e contra quem ele fez. Mas Ele conhece o seu Deus e apresenta um profundo desejo pelo perdão (v. 1, 2, 7, 9, 10). Davi confessa o seu pecado ao Senhor com a certeza de seu perdão.
Como isso é proveitoso. Esse Salmo não é apenas para quem precisa se arrepender de pecados graves. É instrutivo para quem quer se arrepender. Arrepender-se envolve organizar e apresentar a si mesmo o evangelho que se crê - o caráter de Deus e o que ele fez através da graça. Davi fala o que poderia ser dito por quem se arrepende de verdade de uma mentira ou de um adultério.

3. A disposição do arrependimento

Obviamente, em primeiro lugar, aquele que se arrepende não corre de Deus, mas corre para Deus. Corre em busca de perdão. Seu pecado e pecaminosidade estão diante de si, diante de Deus, mas também evoca a compaixão do Senhor e a expiação de seus pecados.
a) Os que conhecem o perdão de Deus comunicam deste perdão a outros (v. 13)
Davi que voltar a ensinar a outros transgressores o caminhos do Senhor (v. 13). Veja se o perdão não nos dá essa disposição: se eu, desse jeito, pude ser perdoado, posso anunciar a qualquer pessoa este perdão. Davi não tem dúvidas de que os pecadores se converterão a partir da mensagem do perdão [ou somente através dela].
Ele também passa a exaltar a justiça de Deus (v. 14). Repare que não foge da mente de Davi a noção de algum tipo de substituição penal: Deus o livra do pecado e continua justo. Alguém pagará o preço. O anúncio do perdão não é o anúncio de uma graça barata, como se fosse sem custo. Deus não colocou os pecados debaixo do tapete. O perdão tem um alto custo: o filho de Deus teve de morrer. E isso é justiça (Rm 1.16-17; Rm 3.25-26).
Davi suplica que os ossos esmagados deem lugar à uma boca aberta para cantar (v. 15). Um coração arrependido não louva a Deus em silêncio. Ensina, exalta e exulta.
b) Arrependimento não é apenas cosmética exterior, mas é necessário um coração compungido e contrito (v. 16-17).
Davi não está se colocando contrário ao sistema de sacrifício. Foi Deus quem o instituiu para aquela aliança. Mas Davi entendeu que ele não poderia buscar perdão nas externalidades da religião, mas no espírito quebrantado, um coração compungido e contrito.
Não que meramente um coração mova o coração de Deus, mas que um coração quebrantado, compungido e contrito é exatamente aquele que compreende a santidade de Deus, a gravidade de seu próprio pecado e se coloca diante do Senhor em humildade. Reconhece a insuficiência de qualquer coisa que possa entregar a Deus. Deus não despreza aqueles que não desprezam o caminho de salvação que ele mesmo propôs.
c) É uma disposição para voltar a ter alegria.
Perdão tem a ver com a restituição da alegria. Voltemos alguns versículos (v. 10-12). Veja como esses versos nos remetem não apenas à petições externas (“apagar, limpar”, mas na manifestação interna “coração, dentro de mim, Santo Espírito, restitui, espírito voluntário”.
Amados, perceba que Davi entende o perdão não apenas posicional, mas processual. Deus nos perdoa (posição), mas Deus manifesta em nós esse perdão. Davi quer novos desejos e afeições [cria/“bara”], quer continuar a fazer aquilo que Deus lhe chamou a fazer, quer ter alegria e servir. Ele não conseguia fazer isso por causa do pecado. Se ele compreendeu o perdão, está livre para tudo isso.
Há maturidade no entendimento de Davi. A alegria externa é um resultado do interior. Arrependimento é abandonar a realidade do pecado e abraçar a realidade do perdão. “Pequei, então vou abandonar a presença de Deus e vou deixar tudo que eu fazia na igreja”. Você precisa é se arrepender e desejar coisas boas, ter alegria nele e servir com voluntariedade.
d) compaixão comunitária
Creio que Davi compreende sua posição enquanto Rei. Ele sabia que como Rei haveria mácula ao seu povo. Então, ele pede que Deus preserve Sião, Jerusalém, como o local da Sua habitação. Ele não quer que seu pecado manche seu povo.

Aplicações

Aplicação 1

É importante notar que repreensões, conforme a Palavra de Deus, surtem efeito. Portanto, não tenhamos medo de repreender, nem de sermos repreendidos. Principalmente não deixemos de considerar a confrontação de nosso “profeta interior”, o Espírito Santo.

Aplicação 2

Não se esqueça de que você é pecador. É verdade, salvos. Deus não nos vê pelo que éramos, nem nos mede pelo nosso pecado. Lembrarmos que nossos pecadores é lembrarmos que precisamos de constante arrependimento para buscarmos ser mais parecidos com Cristo. É lembrarmos que sim, Deus nos ama e temos vivido uma nova vida com Ele, mas sempre com o pensamento “se não fosse por tua graça […]” estaríamos perdidos.

Aplicação 3

Podemos confessar o nosso pecado ao Senhor com a certeza de perdão. Que louco isso! Você pode se chegar diante do Santo Deus na certeza de ser perdoado. Não há nada que deva nos convencer a não nos apresentar diante do Santo se cremos que Ele mesmo nos redimiu.

Aplicação 4

Davi tem compaixão de seu povo quando vê que seu pecado poderia afetá-los. Nosso Rei é muito maior que Davi. Cristo nunca pecou. Não há mancha do nosso rei que possa nos contaminar. Pelo contrário, Cristo é o Rei perfeito que purifica seu povo. Deus jamais deixará de fazer o bem à Sua Igreja, nem deixará de guardá-la ou de habitá-la. Os sacrifícios de justiça já foram de uma vez por todas oferecidos por Cristo através de si mesmo na cruz.
Soli Deo Gloria
Related Media
See more
Related Sermons
See more