A parábola do administrador infiel. Ou: A vida com Deus e o extrato bancário (Lc 16.1-13)

As Parábolas de Jesus  •  Sermon  •  Submitted
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Introdução

No meio cristão há uma confusão no que diz respeito ao dinheiro. Em alguns círculos é louvado um pietismo de voto de pobreza [o que já ouvi de alguns amigos católicos e evangélicos]. Noutros há um exagero materialista voltado para as riquezas neste mundo tão arraigado na teologia da prosperidade. Ainda alguns sequer tratam dessas questões, pois o importante é a salvação e “o espiritual”. No entanto, o uso das riquezas é uma preocupação bíblica, especialmente do nosso Senhor Jesus Cristo.
Ao ler o Novo Testamento observamos que o mestre tem parte de seus ensinos diretamente voltada para a relação do homem e de seus discípulos com o dinheiro. O uso correto das riquezas é um tema relevante para Ele. Vou confiar no Craig Bloomberg quando nos diz que em torno de 20% do ensino de Jesus tratava sobre dinheiro. Esse é um tema central naquilo que Jesus ensinará aos seus discípulos aqui.

Exposição

Contexto

O capítulo de Lucas 16 é organizado tematicamente em sua maior parte em relação a dinheiro (1-15; 19-31). Isso se deve ao fato de que, embora Lc 16.1 indique que a parábola do administrador infiel tenha sido contada “aos seus discípulos”, ela ainda estava conectada às parábolas de Lucas 15 dirigidas especialmente aos fariseus e escribas (15.1,2). Nelas Jesus aponta a distância da religiosidade daqueles homens da obra de Deus realizada por Jesus, e, contundentemente, na parábola do filho pródigo, o amor ao dinheiro do Pai e não ao Pai, representados pelo filho mais velho.
Aqui Jesus falará aos seus discípulos, na mais mais intrigante das suas parábolas, sobre como eles deveriam utilizar seus recursos (o papel das riquezas), embora fariseus também tenham ouvido (v.14), sendo eles secundariamente alvo da mensagem. O trecho pode ser dividido em duas grandes partes: a narrativa da parábola (1-8) e a sua lição (8-13). A narrativa se desenvolve em três pontos: o senhor e seu administrador (v. 1,2), o administrador e seus devedores (v. 3-7) e a a reação do senhor (v. 8).

Exposição

1. Uma atitude elogiável (v. 8a)

Numa breve recapitulação a parábola fala de um homem rico que descobriu que seu administrador estava desperdiçando os bens dele (v. 1). Não se sabe como, se era alguma desonestidade ou mera irresponsabilidade, apenas que ele agia com desperdício (semelhantemente a Lc 15.13). Ao ser solicitada a prestação de contas (v. 2) ele correu para ajeitar várias dívidas com os devedores de seu patrão (v. 5-7), mas com o propósito de preparar o seu futuro diante destes devedores, talvez como administrador deles, tendo em vista que ele não tinha outra forma de trabalhar (v. 3,4). O homem rico, o senhor, portanto elogia o comportamento astuto do administrador infiel (v. 8).
Não é a primeira parábola que se extrai lições embora os personagens sejam moralmente incorretos. Lembre-se do ladrão que chega de repente (Mt 24.43), do homem que precisa amarra alguém antes de saquear a sua casa ou da nossa parábola à frente sobre o juiz injusto (Lc 18.1-8) que concede justiça a uma viúva insistente. Não é impossível nem incomum esse tipo de recurso. Você já deve ter ouvido falar de crimes engenhosos seja na vida real ou na ficção (“roubo ao Banco Central”, “onze homens e um segredo”) e pensado: “a se toda essa inteligência fosse utilizada para o bem!”. Esse é o ponto. Não é louvada a desonestidade, mas a astúcia.
Alguns, por não aceitarem que Jesus possa tirar lições de ações minimamente estranhas, forçam o texto para tornar a habilidosa negociação do administrador louvável. Ainda que ele estivesse tirando o seu lucro das dívidas administradas por ele (uma espécie de comissão), ou mesmo parte do lucro do patrão, que não conseguiria recorrer para evitar cair no crime de usura, ele continuaria infiel e negligente. E mesmo que haja um louvor em querer resolver sua situação atual, não é esse o clímax da parábola, mas que ele pensou no futuro. Agindo honestamente em prejuízo próprio em ampliando o prejuízo de seu patrão, o fato é que seu senhor o elogiou por sua artimanha esperta, sua astúcia, por se preparar para o futuro.

2. Os discípulos de Jesus devem ser mais espertos que os filhos do mundo (v. 8b)

Há uma conexão difícil aqui no verso 8. A parte “b” é uma conclusão do senhor, personagem da parábola, ou do Senhor Jesus diante da situação, iniciando, portanto, a sua lição? Parece fazer mais sentido esta segunda opção, visto que Jesus fala agora de filhos do mundo e filhos da luz. O elogio é do senhor da parábola, a conclusão é de Jesus.
A lição da parábola atinge os discípulos de Jesus: se os descrentes, filhos do mundo (ou seja, comportamento moldado e à serviço das preocupações mundanas), possuem êxitos em seus empreendimentos enquanto crentes são muitas vezes negligentes em servir a Deus, isso não deveria ser assim. Jesus ilustra aos seus discípulos que os filhos do mundo usam seus recursos terrenos para atender seus desejos terrenos, e fazem mais sabiamente do que os filhos da luz para favorecer os objetivos do reino.
Os estudantes que querem um futuro promissor estudam muito. O Kobe Bryant acordava às 04 da manhã para treinar mais que os outros e ser o melhor. Tem muita gente por aí mais engajada por coisas terrenas que a gente por coisas celestiais e eternas. Pensemos: Se a EB nos desse um diploma universitário nos dedicaríamos mais. Se recebêssemos R$ 1 milhão ao final da leitura Bíblica anual teríamos muitos milhões em conta. Se todas nossas orações de petição fossem atendidas nos teríamos mais orações. Prêmios terrenos e provisórios nos engajam mais que as promessas eternas do evangelho - e isso não faz sentido.

3. Há uma acolhida no céu (v. 9).

Imagine o funcionário da Receita Federal que, ao ser despedido, dobrou as restituições de muitos contribuintes. Ou o funcionário da Enel que deduziu tirou vários débitos dos clientes depois de ser mandado embora. Ou o fornecedor de cosméticos que reduziu o valor de algum perfume de R$ 400 para R$ 5. Ou o funcionário da Amazon que mandou livros e encomendas em dobro. Eles fizeram novos amigos com suas ações e talvez garantiram novos empregos. É isso que Jesus quer quer seus discípulos tenham como plano de fundo aqui.
O termo “riqueza mundana ou riquezas da injustiça” não era, como alguns propõe, um ateste de riqueza explorada (seria anacrônico dar esse tom ou mesmo impor uma leitura de mundo a partir da mais valia ou luta de classes). Na verdade, este era um termo equivalente ao nosso "ouro de tolo" (Raul Seixas) ou "vil metal" (Belchior). Pensemos: nossas cédulas passaram ou passarão por situações de iniquidade (será que seus R$ 20 não passaram pela boca de fumo, pela esquina de prostituição ou por algum esquema de corrupção?). Portanto, a ideia é do dinheiro ordinário.
Jesus não está instruindo a comprar amizades, mas usar os recursos para as prioridades do reino: levar pessoas a Cristo e as discipular. Assim, seremos bem recebidos por aqueles que se forem antes de nós às regiões celestiais quando nossa riqueza (vida) faltar.
"A verdadeira fé age especialmente na área da contribuição" (Craig Bloomberg). Eco: Tg 2.14-17, 1Jo 3.17,18

4. O dinheiro e a fidelidade dos discípulos (v. 10-13)

Jesus finaliza com uma linguagem proverbial para fazê-los refletir sobre quem são servos do Senhor. O dinheiro é um meio certeiro de fazer essa análise.
Jesus faz 4 reflexões: a) não adiem a fidelidade (v. 10). Não deixe para depois pois esse depois não chega para quem pensa assim. b) Se vocês não são fiéis administradores do que tem palpavelmente em mãos, como serão das coisas celestiais? (v. 11) c) se vocês não podem ser bons mordomos, não podem receber o que é prometido como propriedade (v. 12). d) Como servos, eles eram dos seus senhores em todas as áreas da vida. Empregados são apenas no que diz respeito aos seus serviços. Servos não. Em tudo que fazem estão à serviço de seu Senhor, sendo impossível servir bem a dois.
Interessante notar que poucas vezes Jesus chama qualquer outra coisa como deus, mas o dinheiro é tratado claramente como um ídolo. Poucas coisas tem o poder de nos tentar quanto à significado, satisfação, sentido, valor, segurança, relacionamentos como o dinheiro.

Aplicações

Aplicação 1 Lembremos: nossa simplicidade não é falta de astúcia.

Na parábola, o elogio ao administrador não vem da manobra habilidosa, mas da astúcia em relação ao futuro. Não é a nós ensinada a seguir o erro, mas a astúcia, como aprendemos em Mt 10.16. Às vezes nos tornemos maldosos como as serpentes e estúpidos como as pombas. Sejamos mansos, mas não desperdicemos qualquer oportunidade de glorificarmos a Deus.

Aplicação 2 Precisamos resgatar o conceito de mordomia

Esse conceito se estende à mordomia* da criação, do corpo, dos recursos, etc. Temos obrigações com aquilo que Deus nos deu para a Sua glória. Assim, a maturidade espiritual depende diretamente de como lidamos com as nossas finanças. Irmãos, a quem se pode confiar pequenas riquezas terrenas pode-se confiar riquezas celestiais. Se vocês não são de confiança para as terrenas, como serão para as verdadeiras riquezas? Se vocês não cuidam do que lhes é emprestado (as riquezas do mundo são emprestados por Deus para sermos mordomos), como receberão o que seria de vocês?
"Uma pequena coisa é uma pequena coisa; mas ser fiel numa pequena coisa é uma grande coisa" Hudson Taylor
*Na parábola o administrador é uma espécie de mordomo (major domus).

Aplicação 3 O seu extrato fala da sua vida espiritual

“Ah, Deus só se preocupa com o espiritual”. Aprendemos na parábola que poucas coisas são mais espirituais que o dinheiro. Vejamos Lc 16.14, 15: os fariseus desprezavam o ensino pois eram avarentos.
Amigos, a forma como vocês gastam seu dinheiro mostra que Deus vocês servem. O que nosso extrato de conta bancária, de cartão de crédito, declaração de bens à Receita ou relatório do que enviamos para o contador fala de nossa devoção? "A verdadeira fé age especialmente na área da contribuição" (Craig Bloomberg). Eco: Tg 2.14-17, 1Jo 3.17,18.
Os grandes empreendedores falam que o tempo é o recurso mais importante. Como gerimos o tempo? A oração matutina leva ~1,3% do dia e o culto diário ~2,5% e não temos tempo? Jesus estava sempre colocando seus recursos diante do Pai (orando, comendo, rindo, chorando, servindo, amando, dormindo, se cansando, etc.).
Como todo ídolo o dinheiro também mente. Como diz Henry Fielding "Faça do dinheiro o seu Deus e ele o atormentará como o diabo".

Aplicação 4 Os discípulos de Jesus tem recepcionistas no céu

Sabe aquela figura de que São Pedro estará na entrada do céu ou mesmo um anjo com uma lista de convidados? Jesus quer mudar sua visão hoje: na chegada há uma multidão de pessoas nos esperando. Não haverá dúvidas sobre onde chegamos, porque haverá amigos. O céu não é uma festa em que não temos com quem conversar. É necessário ter um grupo na entrada para nos recepcionar e estes são aqueles que se beneficiaram da nossa mordomia. Rostos conhecidos de quem pregamos e discipulamos. Rostos desconhecidos daqueles que se beneficiaram das nossas ofertas missionárias, das bíblias que financiamos, etc.
S.D.G.
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