Vara ou mansidão? A escolha é de vocês! (1Co 4.14-21)

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Introdução

Você já tentou resolver uma contenda? Seja uma em que você está diretamente envolvido ou em que você é um mediador, nem sempre é algo fácil. Inclua aí flagrantes partidarismos e doses inflamadas de soberba que as coisas ficam ainda mais complicadas. Eis semelhante caso.
Paulo já vem há quatro capítulos tratando cirurgicamente desse câncer na igreja de Corinto, cativando seus ouvintes ao evangelho de Jesus e à manifestação deste evangelho salvífico entre eles. Todo argumento já foi utilizado, mas Paulo continua seu trabalho pastoral.
Agora, ele precisa reestabelecer sua autoridade apostólica (1Co 1.1, 4.3) [que aparentemente a contestação dela faz parte do problema das divisões naquela igreja] não mais argumentando em si, nem fazendo teologia, mas trazendo uma analogia, uma metáfora: de pais e filhos.
F.F. Bruce diz que “a imagem de pais e filho (…) dá continuidade ao importante tema de que ele fundou a igreja (cf. 3.6,10); e a autoridade inerente à relação pai-filho lhe permite alternadamente “advertir” (v.14), “suplicar” uma mudança de comportamento (v. 16,17) e, se tudo o mais falhar, ameaçar com disciplina (v. 18-21)”.
Vamos, portanto, à exposição deste trecho:

Exposição

1. A intenção de Paulo (14-15)

a) Admoestar e não envergonhar (14a)

Paulo percebe que sua argumentação vinha gerando vergonha no Coríntios, caso eles estivessem percebendo o mal em que estavam metidos. Este é um efeito natural da correção, o corar de vergonha, a exemplo de filhos sob uma correção paterna.
João Calvino nos lembra que “o princípio do arrependimento é o senso de vergonha despertado pela consciência do filho ao ser reprovado por seu pecado. Portanto, ao reprovar seu filho, o objetivo do pai é fazê-lo sentir-se insatisfeito consigo mesmo”.
Percebemos que não é esta a vergonha que Paulo intenta evitar, a do arrependimento [cf. 1Co 6.5 ele quer que se sintam envergonhados]. Assim, Ele muda o tom e quer desviar a possibilidade dos coríntios imaginarem que sua intenção era gerar uma frustração irremediável ou uma vergonha pública, um vexame, por tornar públicos seus pecados e envergonhá-los diante das demais igrejas.
Seu objetivo era demonstrar afeição paternal, que os coríntios o escutem para benefício deles mesmos, lembrando-os do que estava faltando neles. A “vergonha do arrependimento” tinha que servir para algo: impulsionar a advertência. A vergonha pública seria desastrosa.

b) Como a filhos amados porque Paulo é o seu pai (14b-15)

Já sabemos que ele fundou aquela igreja - ele não só pregou mas “os gerou em Cristo Jesus (v. 15). Toda a argumentação do apóstolo é fundada no evangelho de Jesus: eles nasceram no evangelho, em Cristo Jesus, e Paul quer que eles andem em Cristo Jesus (v. 17)
Paulo afasta qualquer suspeita de que suas advertências sejam por falta de amor: eles são como filhos amados (v.14b) e ele é o seu pai. Assim também aproxima o tema da sua autoridade apostólica.
Preceptores (incontáveis e não dez milhares) vem da figura dos “pedagogos”, que acompanhavam nas idas e vindas da escola e auxiliavam na instrução dos jovens. Mas os preceptores não amam como os pais. Paulo está destacando a singularidade do relacionamento deles: eu sou o único pai de vocês. “Se vocês têm mestres (os soberbos?) entre vocês, eu sou o pai. Sejam fiéis a mim e não a eles”.
Interessante que Paulo não os chama de discípulos, mas de filhos. Paulo estabelece que a admoestação na igreja requer um caráter familiar (Lembrar de Timóteo).
Paulo deixa em suspenso a ideia de que isso, portanto, deveria valer em relação a como eles deveriam tratar o apóstolo: honra teu pai e tua mãe( líderes espirituais), pois eles velam por ti (Hb 13.17).

2. A admoestação: a imitação de Cristo (16-17)

a) Imitando Paulo (16)

A natureza da admoestação é esta: a imitação. Paulo, de forma extraordinária, aproxima esta imitação a ele. É humilde, ao invés de soberbo. Podemos ser como o nosso professor Paulo na virtude de querer ser como Cristo, em ensino e em exemplo.
No verso 17, “os meus caminhos em Cristo Jesus”, nos trará o aspecto missionário das palavras de Paulo. Envolve uma imitação moldada pelo sofrimento apostólico (v. 11-13). João Calvino lembra que, “em suma, o propósito de tudo isso era que os coríntios abrissem mão de sua antiga arrogância e dessem mais valor ao estigma de Cristo [Gl 6.17] lançado sobre Paulo, em vez da ostentação fútil e desprezível dos falsos apóstolos”.
Esse trecho remete também ao que ele fala em 1Co 11.1 acrescentando “como também sou de Cristo”. Interessante que isso constava na vulgata, como vemos nos comentários de João Crisóstomo. Paulo entende que uma igreja e o cristianismo individual dos crentes não pode ser resumido numa ortodoxia morta (pensar corretamente), mas que precisa gerar uma fé acompanhada de um comportamento apropriado, o modo de vida da imitação de Cristo Jesus (2Co 8.9).
Isso dava uma direção para aquela igreja sobre seus problemas: eram decorrentes da imitação de pessoas que não imitavam a Cristo. Naquela época a filiação de paternidade era também de identidade. Filho de carpinteiro era carpinteiro, filho de pescador era pescador. Jesus afirma que faz aquilo que seu pai faz (Jo 5.19) e que os filhos do diabo fazem o que seu pai faz (Jo 8.44).
Se Paulo foi um construtor naquele meio, seus filhos na fé não deveriam ser promotores de divisão. Se a preocupação do apóstolo era a pregação e o ensino de Cristo, esta deveria ser a preocupação da igreja. Se Paulo imita o caráter de Cristo, essa deveria ser a imitação buscada pelos coríntios (“tal pai, tal filho”).

b) Um filho ensinará outros filhos (17)

Paulo envia alguém imitável: Timóteo. Era um irmão com muito em comum com aquela igreja. Paulo havia dado à luz os dois (meu filho amado//filhos meus amados, cf. v. 14) na mesma existência (no Senhor, cf. v. 15).
Paulo tinha enviado Timóteo a Corinto antes que ele escrevesse esta carta (veja Atos 19:22). Timóteo não está incluído como co-remetente porque já havia partido para Corinto (1Co 1:1; compare com 16:10).
A tarefa de Timóteo era lembrá-los da conduta cristã de Paulo, aqui referida como “dos meus caminhos em Cristo Jesus”, “como (καθώς) ensino (proclamo) em cada igreja”. Resumindo: ensinar, pregar, aconselhar, formar, nutrir e orar.
Paulo descreve ainda o jovem como fiel (“meu filho amado e fiel”). Alguém que testemunhará fielmente não só com as suas palavras, mas pelo modo de se portar quando estiver ali em seu meio (1Tm 1:2). Ele seria um Paulo entre eles, comunicando virtudes ou mesmo sofrendo como seu mestre (1Co 16.10,11).

3. A soberba de alguns Coríntios (18-20)

a) Duvidam das intenções do Apóstolo (18-19)

A soberba anterior vinha de ir além do que está escrito (1Co 4.6), a próxima viria de serem extremamente leniente com o pecado (1Co 5.2). Aqui, por alguns que queriam se colocar como líderes não pelo serviço genuíno à Igreja, mas pela difamação de Paulo. Paulo agora mira nos influenciadores (“inchados”), que são internos à comunidade.
A igreja de Corinto presumia que a ausência de Paulo era falta de cuidado. Que talvez ele nem voltasse mais por lá (ὡς – “como se”/“Paulo não virá”). Que sua estadia em Éfeso significava falta de zelo para com a igreja deles.
No entanto, Paulo se lembrava diariamente das igrejas em oração e continuava pessoalmente interessado em seu bem-estar espiritual (1Co 1.4; Fp 1.3,4; Cl 1.3,4; 1Ts 1.2,3; 2Ts 1.3 - CNT 1Co). E depois de viajar pela Macedônia, pretendia ir até Corinto e passar algum tempo ali, talvez todo o inverno (1Co 16.5–7). O apóstolo inclusive comunica-lhes, inclusive, que deixará Éfeso depois do Pentecoste (1Co 16.8), provavelmente no ano 56 d.C.
A igreja, portanto, precisava ser lembrada do proceder de seu pastor. O plantador daquela igreja era alguém totalmente comprometido não com a sua própria imagem, mas com o crescimento correto das igrejas sob seu serviço de ensino da Palavra de Deus.

b) O poder deles não é construtivo, mas destrutivo (20)

“Paulo não está interessado em saber o que os seus oponentes têm a dizer, pois suas acusações foram proferidas enquanto ele estava ausente. Ele quer conhecer que influência esses líderes têm exercido sobre os membros da igreja. Se esses homens estivessem cheios do Espírito Santo, teriam sido capazes de exercer uma liderança positiva na igreja. Mas se eles estivessem sem o Espírito Santo, não teriam a capacidade de edificar a igreja. Paulo planeja permanecer por algum tempo em Corinto para descobrir se tais líderes tinham sido capacitados com poder espiritual para levar adiante a causa de Cristo”. Simon Kistemaker, 1 Coríntios, trad. Helen Hope Gordon Silva, 2a edição, Comentário do Novo Testamento (São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2014), 190.
No final do verso 19 e no verso 20, a afirmação de Paulo é aforística (cf. Rm 14:17). Sua intenção não é fornecer uma definição exaustiva da natureza do reino de Deus, mas trazer à tona uma característica essencial que é importante no momento: o sistema de valores do reino de Deus valoriza mais atos poderosos do que discursos persuasivos (1Ts 1.5). Neles falta o poder do Espírito.

4. O tom do tratamento está na necessidade da igreja (21)

a) Vara ou mansidão?

Paulo conclui com uma aplicação de sua metáfora como pai amoroso: que adverte, que instrui o proceder dos filhos, mas que também tem autoridade para corrigi-los. Ele fala de disciplina a uma igreja que ainda não aprendeu a aplicá-la.
Logicamente, a vara, que era um instrumento de correção física, é aplicada aqui como uma vara de poder espiritual. Sua autoridade apostólica, conferida por Jesus Cristo, o colocava como representante do próprio Cristo e, assim, qualificado a corrigir o povo com a autoridade da Palavra de Deus.
No entanto, considere a sabedoria de Paulo. Ele que bem poderia, de pronto, exercer a autoridade que consta em suas próprias mãos, deixa a solução à escolha daquela igreja: que preferis? Vara ou mansidão? Mansidão (como ele deseja ir) ou vara (como a situação poderia exigir)? Está carta e a ida de Timóteo serão o suficiente ou terei de ir aplicar disciplina?

Aplicações

Aplicação 1: cuidado com pastores que só batem.
Isso é um problema sério. Bater não é sinônimo de espiritualidade genuína ou mais elevada. Às vezes, só bater esconde uma forma maliciosa de tratar os pecados alheios, envergonhando pessoas e comunidades, tornando a igreja um objeto do repúdio público.
E se você segui-los, será um crente amargurado e legalista ou um pregador de uma nota só que só sabe falar dos problemas da igreja. Jesus não gosta de quem só fala mal de sua noiva.
Aplicação 2: a admoestação não é para a vergonha, mas para a edificação.
Como afirma João Calvino: “[os mestres], acima de tudo, devem tomar cuidado para não parecer que escarnecem daqueles a quem estão reprovando, nem que se sentem prazerosos em seu infortúnio. Não! Ao contrário, devem esforçar-se por deixar em evidência que sua intenção não é outra senão a promoção de seu bem-estar”.
Quando irmãos em Cristo buscarem advertir uns aos outros, eles não devem buscar argumentos para humilhar ou ridicularizar, mas tratar as advertências com o cuidado de demonstrar o amor fraternal.
Aplicação 3: o discipulado requer uma atmosfera familiar.
É isso que Paulo está mostrando aos coríntios: eu vos admoesto não como a colegas de trabalho, a funcionários ou a alunos, mas como a filhos. Estes filhos não são bastardos, ou odiados, mas amados.
Muitas vezes ou excedemos as correções aos nossos irmãos ou somos indiferentes aos seus pecados porque não temos vivido um discipulado neste nível. Onde o discipulador cuida do outro com amor paterno ou materno. É necessário amor e humildade para corrigir: Gl 6.1.
Aplicação 4: seguir a Cristo implica em imitá-lo.
Vejamos Paulo. De que maneira ele seguiu a Cristo: com um propósito firme. Foi na vivência diária aos pés da cruz e no meio do povo de Deus. Já tentou aprender uma coreografia ou alguma técnica artística? É necessário repetição. Se entrarmos no estúdio de um pintor e aprendermos tudo sobre sua técnica não poderemos copiar suas pinturas, embora as vejamos recorrentemente. Para copiá-lo precisamos de prática. Precisamos ouvir as instruções e praticá-las.
A boa notícia é que a imitação de Cristo está disponível a nós. Não é algo para os apóstolos ou para uma classe de crente. Seguir é imitação. Não é possível segui-lo e não imitá-lo.
Aplicação 5: como Deus virá sobre sua vida? Com vara ou mansidão?
A aplicação final vem no que diz respeito ainda a relação de pai e filho. O filho que erra miseravelmente, mas que tentando cuidadosamente, atrai a correção branda do pai. O filho que erra miseravelmente por desleixo, ou que só faz o certo na presença dele, atrai a correção dura.
Você será corrigido. Não há dúvidas se você for crente. A forma como você aplica a palavra de Deus em sua vida, atrairá qual tipo de correção?
Soli Deo Gloria
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