Quem joga só pela regra perde o campeonato (1Co 9.23-27)

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Introdução

Paulo ainda está no bloco das perguntas acerca da carne sacrificada aos ídolos (1Co 8.1). A resposta de Paulo é que a ação dos crentes, apesar de não ser ilícito comer carne dedicadas a deuses na realidade inexistentes (1Co 8.4), deve ser baseada no amor para com os fracos para que não tropecem (1Co 8.11) e na preocupação para que o ambiente de pregação seja propício, sem obstáculos (1Co 9.12). Ou seja, a liberdade cristão dá lugar a uma abdicação de direitos lícitos por causa do amor. Liberdade controlada pelo amor.
Paulo vai exemplificar isso com sua própria postura. Ora, ele, apóstolo, digno de receber materialmente por seu serviço espiritual (1Co 9.11), abriu mão desse direito para que não fosse criado obstáculo à pregação (1Co 9.12) e porque essa é sua “obrigação moral”, que ele realiza não por causa de recompensas materiais, ou por iniciativa própria, mas porque ele foi alcançado por uma graça que o inclina a pregar e o torna devedor a todos (1Co 9.19).
Tudo ele busca realizar e a todos para que ele se torne não apenas agente pregador da mensagem (1Co 9.16), mas para que possa desfrutar dos benefícios do evangelho (1Co 9.23). Ao falar que faz “tudo” a todos (todos: público; todos/tudo: contextos de pregação), Paulo não se limita a uma check-list de regras, mas se coloca à disposição para qualquer posição no Reino. A exortação de Paulo é que os cristãos de Corinto deveriam fazer o mesmo [realizar mais do que o cumprimento de mandamentos], e a figura utilizada por ele é a do atleta.
Paulo sabe que é necessário sabedoria cristã para a vida, pois o cristianismo está muito além do que uma régua moral para o dia a dia baseada em mandamentos objetivos como “faça ou não faça”, mas em buscar maneiras de melhor glorificar a Deus. O caminho de Paulo não é o de algumas linhas excessivamente zelosas do judaísmo antigo, ou mesmo a do caso abordado em que os Coríntios estavam aparentemente preocupados apenas em ser ou não espiritual, forte ou fraco, através da regra. Paulo apresenta o caminho do evangelho utilizando a analogia do atleta. O atleta olha para as normas do campeonato, mas a sabedoria será revelada em sua estratégia diária e não pelo cumprimento ou não de regras específicas. Assim como Paulo, o atleta “faz tudo”.
Vamos ver as características do atleta que servem de aplicação para o apóstolo.

Exposição

1 O atleta sabe onde está o prêmio (v. 24)

Paulo utiliza novamente uma diatribe através da auto-representação, começando pelo “não sabeis vós?” e abordando seu exemplo pessoal. É como se ele dissesse: “vocês têm exemplos na cara de vocês para entenderem essa coisas que vou falar!”.
Vocês devem se lembrar das nossas primeiras pregações (ou não) acerca da aptidão esportiva da cidade de Corinto onde ocorriam os Jogos do Istmo, no templo de Possêidon em Ístmia que ficava a cerca de 16km de Corinto. Estes jogos ocorriam a cada dois anos e só perdiam para os Jogos Olímpicos de Atenas. É muito provável que Paulo tenha presenciado estes jogos em 51 d.C, se realmente ele ficou ali entre os anos 50 e 52 d.C, ou mesmo essa tenha sido a ocasião que o levou a decidir por aquela cidade, tendo inclusive um cenário favorável para seu trabalho com a fabricação de tendas durante os jogos.
Independentemente da modalidade, das quais Paulo cita a da corrida e a do pugilismo (boxe), a primeira realidade que deveria estar patente para seus leitores era de que a coroa está apenas no final da corrida. O primeiro ponto do apóstolo é de que como cristãos, apesar de não estarmos numa competição, não vivemos menos dedicados dos que estão treinando para um campeonato.
A mentalidade é de que os que correm correm para vencer. Não se treina e corre para quase vencer. O atleta conserva a mente e o corpo focalizados num alvo: ganhar o prêmio (Simon Kistemaker). Ele não pode se perder em pensamentos sabotadores como “e seu eu não ganhar” mas focar em “como devo treinar para ganhar”.
Quem é o maior inimigo do atleta? Geralmente a mente. Seja no período de treinamento, onde a medíocre dedicação ocorreu por perder de vista que a vitória não é para qualquer um. Ou mesmo quantas vezes não vimos atletas de nossa nação, extremamente preparados física e tecnicamente que que estavam, perderem competições por causa da mente? Paulo exorta os coríntios a levarem sua vida espiritual a sério, que precisamos nos esforçar até o limite: correi de tal maneira que o alcanceis.
O cristianismo não é uma religião de começos - é muito mais de permanecer (Mt 24.13; Jo 8.31). Isso porque a realidade da eleição não anula a carreira da fé que nos revela que a coroa da vida está no final: 2Timóteo 4.8; Tiago 1.12; 1Pedro 5.4; Apocalipse 2.10. Na verdade, esta carreira confirma o chamado, pois o cristão vai ao encontro daquilo que Cristo o chama a ser (Fp 3.12).

2 O atleta é marcado pela disciplina (v. 25)

Na primeira parte deste versículo Paulo destaca o domínio próprio dos atletas (eles conheciam os juramentos dos competidores nas Olimpíadas). Isso me instiga muito e me faz um entusiasta do esporte (Calvino nos lembra que os atletas viviam tão bem acostumados com a sua dieta restritiva, que seu modo de vida se tornara proverbial). O auto-domínio do atleta é imitável. Essa qualidade é vista de forma especial no preparo e nos treinamentos, pois atleta não se controla apenas no dia da competição. Sua vida inteira tem de ser disciplinada: Ele(a):
Organiza e prioriza a agenda de treinos. Não há compromisso maior do que o que ele firmou com seu propósito de vencer.
Organiza a dieta. Ele não treina para comer, mas come para treinar. Ele ingere o que ajuda, conta calorias, sabe o que come.
Se afasta do que atrapalha: ambiente, pessoas, destruidores de mentalidade.
Se aproxima do que ajuda: pessoas, ambiente, desenvolvimento de mentalidade.
Treina descansando.
Precisa respeitar as regras (2Tm 2.5).
Esse domínio está na mente de Paulo e deveria estar na mente dos coríntios no que diz respeito a vida no evangelho. Os competidores organizam a vida inteira para não falhar no rendimento esportivo. Do contrário, é jogar energia no lixo. É voltar sem o prêmio para casa. Os cristãos precisam aprender a sujeitar todas as coisas e a si mesmo para que consiga chegar ao alvo: seus desejos, seus sonhos, suas ideologias, seus bens, seu corpo, sua liberdade. Esta não é uma sujeição ruim como alguns incrédulos querem nos fazer pensar, pelo contrário, ela é o que nos preserva na caminhada certa da vitória.
Há uma outra forma de domínio exercida pelo atleta. Ela é especialmente aplicada no momento da intensidade do treino ou no dia da competição. Já participou de uma atividade física que parecia que você ia morrer? Aquela corrida que você já perdeu na mente, aquele apelo do corpo logo no início de uma atividade como se já estivesse entrando em colapso. Aqui o atleta precisa manter o foco e firmar a mente sobre onde ele quer chegar. Da mesma forma, nos momentos mais cruciais da nossa vida, os joelhos balançarão, a fé poderá titubear, mas precisamos confiar na esperança e na vocação para qual formos chamados, mantendo firmes a palavra da promessa da vida eterna. Ainda que desfaleçamos, mantermos a confiança não em nós mesmos, mas em Deus, que ressuscita os mortos (2Co 1.9).
Por fim, o versículo aborda uma diferença crucial entre os competidores deste mundo e os “atletas do evangelho”, entre os quais estão Paulo e a Igreja (“nós”). Tudo passa. A coroa de louros seca, a fama passa, o pódio passa, a medalha vira um enfeite numa estante, a performance reduz, o corpo se desfalece. E ainda assim, tudo isso tem valor. É incrível, não é mesmo? Porém, se torna deveras diminuto se comparado a vitória permanente, insuperável e inesquecível do evangelho de Jesus Cristo. Por que não nos empenharmos de igual modo, ou melhor, muito mais por esta coroa?

3 As ações do atleta são voltadas aos resultados (v. 26)

Paulo vai agora falar de si, apresentando o porque dele exercer sua liberdade em amor à igreja: ele sabe onde quer chegar. O corredor tem um alvo: há um circuito com a linha final a percorrer. O lutador, no caso o boxeador (boxe, πυγμαχία, ‘luta com os punhos’, lat. pugilatus), não golpeia o ar. Paulo sabe que um soco no ar gasta a mesma energia de um soco no alvo. Que 10 km corridos à esmo são tão difíceis quanto numa corrida de rua com faixa de final. No entanto, todo o esforço precisa ser empreendido com vistas à um objetivo, senão fica sem sentido. É desperdício.
Jesus não chamou os cristãos para uma corrida sem rumo ou para uma luta sem alvo. Ele mesmo o tinha (Hb 12.2). Somos peregrinos rumo a um reino celestial. Veja que Paulo, que se vê como ambos atletas. (2Tm 4.7 ), sabia onde queria chegar: o alvo da corrida (Fp 3.13-14) é o prêmio da soberana vocação. A vida eterna é o que ele percorre. Ele sabia que aqui precisava lutar contra o pecado não somente como um boxeador, mas como um soldado de guerra (Ef 6.10-20). E até lá seu objetivo aqui é ganhar o maior número possível de pessoas para Jesus Cristo (1Co 9.19). Amados, vocês não estão à deriva, há uma corrida para onde sabemos correr. Uma luta onde sabemos onde bater.

4 A disciplina e o objetivo espiritual (v. 27)

A lição final de Paulo já diretamente cheia de aplicações espirituais: a lição central é que o corpo é escravo do atleta. Não é o seu estômago quem manda, ou mesmo o entretenimento vazio - para seguir firme é preciso que o atleta não seja escravo do corpo, mas que o corpo seja escravo do atleta. O mesmo ocorre conosco e Paulo faz isso consigo: a carne de Paulo precisa se sujeitar ao evangelho e não o contrário. É isso que ele imita dos atletas quanto a disciplina. Seu coração não quer se acostumar a falar com Deus (orar), o que você fará com isso? Sua mente não consegue se manter firme na leitura bíblica, o que você fará com isso?
Paulo não está trazendo holofotes para si. Ele está se colocando como alguém sujeito às mesmas coisas que nós. C. S. Lewis em “Surpreendido pela alegria” diz que “Todo homem precisa contar a sua história” e o apóstolo faz isso para nos encorajar: nessa jornada, eu posso sair machucado (2Co 11.23-25). Mas ainda que a vida seja de apanhar, vamos lutar até o último assalto como o Rocky Balboa. Paulo demonstra que realmente há uma luta contra si quando há a necessidade de amar abrindo mão da própria liberdade para melhor servir a Cristo, uma luta onde ele se esforça para mostrar que aquilo que ele prega é realmente verdade em sua própria vida. Uma das características do atleta é o esforço evidente em sua vida como um todo. Uma das características do cristão é a imitação de Cristo evidente em sua vida como um todo.

Conclusão

Somos acostumados com a ideia de que nossa vida uma batalha ou uma corrida: “como vai a vida? ‘tamo’ na luta, né?!”. Por que pensaríamos que o caminho da fé seria diferente? Que nele não seria uma batalha ou uma corrida? Que a chamada da graça não seria também uma chamada à batalha? Lembre-se de manter a mente e o coração voltados à vida eterna com Cristo, discipline sua vida de tal forma a mostrar o que possui a primazia, aja com inteligência e não de forma vazia, ame a Deus, a Igreja e ao Próximo. É necessário que a lei do amor, advinda do evangelho, seja aplicada a toda nossa vida e não que façamos do evangelho apenas um kit de conselhos morais.
C. S. Lewis também nos dá um conselho aqui: “Quando pensamos que este mundo é um lugar destinado apenas à nossa felicidade, ele passa a ser absolutamente intolerável. Pense nele, em vez disso, como um lugar de treinamento e correção, assim ele não será tão ruim”.
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